Dívida, Défice e Crescimento; como interagem?

Muitos poderão pensar que a dívida pública e o défice público, se cingem a questões de opções políticas, mas na realidade uma das ciências que está bem presente em finanças públicas e economia, é a matemática. A iliteracia matemática de um certo povo, pode explicar em parte, o desequilíbrio que esse país tem nas suas finanças públicas, pois as mesmas nos estados democráticos, são muito afetadas por escolhas políticas. O modelo apresentado é um modelo simplificado, baseado em sistemas dinâmicos discretos, que explica como interagem a dívida, o défice e o crescimento económico de um Estado. 

O défice público, simplificando, é a diferença entre as despesas e as receitas de um Estado. Quando um país tem mais receitas que despesas, tem superavit, ou excedente orçamental; quando esse país tem mais despesas que receitas, esse país tem défice. Quando há défice orçamental, o país necessita de contrair dívida para colmatar esse défice, que pagará com juros. Assim, um modelo simplificado do sistema poderá ser o seguinte


onde DVk, TJk e DFk são a Dívida, a Taxa de juro em percentagem e o Défice respetivamente no ano k. É fácil perceber que a Dívida no ano k+1, será a Dívida no ano k mais a componente dos juros, somando ainda o Défice do ano k.

Este modelo não inclui engenharias financeiras, nem contabilidade paralela, como sucedeu em Portugal com swaps, PPPs, ou dívidas contraídas pelas empresas públicas, se essas despesas não constarem nas contas oficiais do défice. Este modelo também obedece a outra simplificação. O Estado por norma contrai dívida através dos chamados títulos de dívida pública, emitidos com um certo prazo de maturidade, estando aquando da sua emissão já definidos a taxa de juro e o prazo. No modelo que se apresenta a Taxa de Juro aplica-se ao montante total da dívida no ano k, e não parcelado como realmente acontece com os títulos da dívida. Pode-se demonstrar que para períodos de tempo algo alargados, o erro deste modelo é bastante diminuto, se na Taxa de Juro se colocar o valor médio que o Estado tem pago de juros ao longo desse mesmo período de tempo.

Já o crescimento económico no ano k, ou seja o crescimento do valor do Produto Interno Bruto (PIB) do ano k para o ano k+1, ou seja CEk, obedece a outra equação semelhante


Se dividirmos a primeira equação pelo PIB no ano k+1, multiplicando ainda implicitamente todos os termos da equação por 100, ficamos exatamente com uma outra equação, mas com a Dívida e o Défice, representados em percentagem do PIB.


onde DVp e DFp representam respetivamente a Dívida e o Défice em percentagem do PIB. Podemos ainda apresentar a equação acima de forma diferente, escrevendo




Se agora aplicarmos os conceitos da aproximação dos sistemas dinâmicos discretos aos sistemas dinâmicos contínuos obteremos uma equação diferencial linear de primeira ordem


A solução geral desta equação diferencial é


onde DVp(t) e DVp(0) representa a Dívida em percentagem do PIB no ano t e no ano 0 respetivamente, TJ a Taxa de juro da dívida, CE a percentagem de crescimento económico do PIB, e DFp o Défice público em percentagem do PIB.


E para o caso de Portugal (1980-2010)

Se considerarmos agora para o caso português, um período de cerca de 30 anos, de 1980 a 2010, com um défice público médio de aproximadamente 5%, uma taxa de juro média de 4% e um crescimento económico médio de 3%, ficamos com



cujo gráfico da expressão DVp é o seguinte:

Simulação segundo o modelo, t=0 corresponde a 1980; [1980,2010]
Taxa de juro média da dívida de 4%,
Crescimento económico de 3%,
Défice Público médio de 3%

Penso que a dívida pública apenas não atingiu os valores acima sugeridos pelo gráfico, cerca de 180% do PIB, porque o Estado foi alienando ativos que foram sendo abatidos à dívida, que muitas vezes não entravam nas contas do Défice, como algumas das sucessivas privatizações que se têm realizado desde 1980.

O decréscimo futuro da dívida exige obrigatoriamente excedente orçamental e/ou crescimento económico. A dívida que o modelo sugere, deveu-se essencialmente a variados anos de défices públicos sucessivos, com a agravante que à medida que em cada ano havia défice, contraía-se dívida, que por sua vez tinha de ser paga com juros. Este modelo demonstra que a dívida nestas condições de défices sucessivos tem um crescimento exponencial, que em situação de anos consecutivos de défices altos, leva à situação do crescimento exponencial acentuado da dívida, cujo controlo por parte do executivo, se torna crítico.

O que altera a dinâmica da Dívida neste sistema dinâmico, segundo o modelo, é a expressão TJ-CE, ou seja, a Taxa de Juro da dívida tem de ser inferior ao crescimento económico, para que a Dívida decresça.

Resumidamente, poderá matematicamente comprovar-se aquilo que a generalidade dos cidadãos já tinha como implícito, que o défice de hoje, é a dívida de amanhã.

Afinal o que são e para que servem as tabelas de percentis?


Todas os pais as conhecem, as famosas tabelas de percentis de altura e peso dos bébés e crianças. Representam para muitas mães motivo de angústia sobretudo se o seu rebento se encontra nos “percentis mais baixos” ou se “descem de percentil”. Têm normalmente aspeto semelhante a este.


Figura 1. Tabelas de percentis de altura e peso de bébés dos 0 aos 2 anos, segundo o standard da Organização Mundial de Saúde.
Mas afinal o que é que são e o que representam os percentis? Para responder a esta questão teremos que rever umas das medidas importantes da estatística, os quantis. Tal como a média, a mediana ou a moda, os quantis são medidas de posição.

A mediana (m) é a medida de localização dos elementos numa amostra da população. A mediana é tal que 50% dos elementos da amostra são menores ou iguais a m e os outros 50% maiores ou iguais a m.

Ao generalizar esta noção para definir outros intervalos de divisão dos elementos da amostra populacional, obtêm-se os genericamente designados quantis. Diz-se que um quantil de ordem p (com 0<p<1) é o valor Qp tal que 100xp% dos elementos da amostra são menores ou iguais a Qp e os restantes 100x(1-p)% dos elementos da amostra são maiores ou iguais a Qp. Ou seja, toma-se toda a amostra de população, ordena-se todos os elementos por ordem crescente e divide-se a população em p partes iguais

Aplicando esta definição à mediana, verificamos que esta não é mais do que o quantil de ordem p=1/2, estamos a dividir a população em duas partes iguais.

Existem outras definições de quantis de ordem específica que são muito utilizados, os quartis, os decis e os percentis. Os nomes são sugestivos: nos quartis a população é dividida em 4 partes iguais, nos decis em 10 partes iguais e nos percentis em 100 partes iguais.

Por exemplo, aplicando esta noção aos quartis, isto quer dizer que em cada quartil estão contidas ¼ ou 25% das observações realizadas. Os quartis estão organizados da seguinte forma:
 
  • Q1=1º quartil; corresponde ao quantil de ordem p=1/4

  • Q2=2º quartil; corresponde ao quantil de ordem p=1/2

  • Q3=3º quartil; corresponde ao quantil de ordem p=3/4

Note-se que o 2º quartil coincide com a mediana, m.

Pela mesma ordem de ideias, os centis ou percentis, dividem a série ordenada em 100 partes iguais, contendo cada uma delas 1/100, ou seja, 1% das observações.  Assim, por exemplo:

  • C1=1º percentil, corresponde ao centil de ordem p=1/100

  • C50=50º percentil, corresponde ao centil de ordem p=50/100=1/2

Com os valores correspondentes dos percentis é possível criar gráficos com curvas de evolução de altura e peso para cada percentil. Estes gráficos são denominados pelos pediatras como tabelas de percentis. Tendo em conta o que foi dito, é fácil de perceber que as curvas representadas nas tabelas de percentis dependem directamente da amostra de população considerada, ou seja, para cada sub-grupo da população mundial considerado poder-se-ia construir tabelas de percentis com aspectos diferentes dependendo dos critérios de selecção utilizados para construir esse subgrupo. Quer isto dizer que a mesma criança poderia pertencer a percentis de peso e comprimento diferentes se os critérios de amostragem não fossem os mesmos.

Numa tentativa de uniformizar as tabelas, em meados dos anos 70 o “National Center for Health Statistics” americano e a Organização Mundial de Saúde estabeleceram tabelas de referência recomendadas para uso internacional. Estas tabelas de referência apresentavam várias limitações ao nível do processo de amostragem e dos métodos estatísticos utilizados, pelo que nos anos 90 foram revistas e criou-se ou standard internacional para as tabelas de percentis. As crianças e bébés incluídos na amostra de população deste novo standard consistiu de crianças saudáveis a viver em condições favoráveis ao seu crescimento e à concretização do seu potencial genético; as mães dessas crianças seguiam um estilo de vida saudável, dos quais se destacam a abstenção de fumar e a amamentação dos bébés com leite materno. Foram incluídas crianças de seis países diferentes (Brasil, Ghana, Índia, Noruega, Oman e EUA), pelo que a amostra contém grande variedade genética e étnica e variação cultural nos cuidados com as crianças. A principal característica deste estudo é o estabelecimento da criança alimentada com leite materno como o modelo para o crescimento e desenvolvimento (no estudo anterior as crianças eram alimentadas maioritariamente com leite em pó).

O novo standard define como as crianças devem crescer, o que quer dizer que é mais fácil identificar crianças com problemas ou patologias relacionadas com o crescimento. À medida que a criança vai crescendo a sua altura e peso são registadas no gráfico, para verificar se seguem uma determinada curva, o que quer dizer que a criança se vai mantendo no mesmo percentil. Se a criança segue uma determinada curva consistentemente de medição em medição, então tem um crescimento saudável. Por exemplo, uma criança que segue a curva do percentil C5 de altura é apenas uma criança saudável mais baixa do que a média, ao passo que uma no percentil C90 é mais alta do que a média. Se o padrão de crescimento de uma criança se altera repentinamente e o seu peso aumenta ou diminui significativamente em termos de percentis, então o pediatra sabe que pode haver um problema e actua no sentido de o identificar.

 
Apenas uma nota final para indicar que, embora os novos standards estejam disponíveis desde 2006 para utilização por todos os países que o queiram fazer, e em 2012 tenha sido anunciado que as novas tabelas de percentis seriam adoptadas pelo Direcção-Geral de Saúde em Portugal (http://www.publico.pt/sociedade/noticia/portugal-vai-adoptar-novas-curvas-de-crescimento-para-bebes-e-criancas-1566206), até hoje ainda não o fizeram, pelo que os bébés portugueses ainda são “classificados” segundo as tabelas dos anos 70, que desfavorecem os bébés amamentados com leite materno, cujo crescimento é normalmente um pouco mais lento nos primeiros meses de vida.